terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Mensagem de Ano-Novo do Caveira



O sonho de toda a minha geração - os filhotes dos anos 80 - era o de viver no FUTURO. Realidade virtual, tênis com cadarços automáticos, skates que flutuam, sabres de luz, ciborgues, carros voadores, carros falantes, computadores falantes, relógios falantes, policiais robôs patrulhando as ruas, um fim de semana na Lua, tudo isso podia ser resumido num único pensamento: o ANO 2000. O ano 2000 era o futuro encarnado, o ano em que faríamos piquenique numa cratera lunar, o ano em que teríamos uma faxineira-robô como a dos Jetsons limpando nossas casas, o ano em que - se bobear - pequenos humanóides cinzentos com grandes olhos negros chegariam aqui em discos voadores, requisitando um encontro com nossos líderes.

Tudo muito idílico, mas aconteceu algo que ninguém previa: o futuro passou.

O futuro passou há DEZ ANOS! Nós vivemos no ... PÓS-FUTURO?!?

No futuro, um formato de música digital chamado mp3 anuncia a morte do CD. No pós-futuro, qualquer aparelho eletrônico imaginável toca mp3, e até senhoras idosas baixam música na internet. No futuro, os filmes em VHS são substituídos com alarde por um disquinho chamado DVD. No pós-futuro, o Blu-Ray nem teve tempo de se popularizar e já começa a parecer notícia antiga em meio às expectativas geradas pelos televisores de alta definição com transmissão em 3D.

No futuro, os filmes e séries de TV ousam imaginar um homem negro como presidente dos Estados Unidos. No pós-futuro, um homem negro é o presidente dos Estados Unidos na vida real. No futuro, podemos substituir uma prateleira de livros por uma enciclopédia em CD. No pós-futuro, não podemos admitir uma fonte de informações que não seja renovada diariamente, e a melhor enciclopédia que a humanidade já viu é grátis, não está arquivada em nossos computadores e pode ser acessada 24 horas por dia.



 No futuro, ficamos embasbacados com a incrível possibilidade de gravarmos CDs em nossas próprias casas, com os arquivos que quisermos. No pós-futuro, gravar um CD é uma perda de tempo a qual ninguém se submeteria em sã consciência, pois pen-drives com mais do triplo da capacidade de armazenamento de um CD são vendidas em qualquer lugar, custam o preço de uma pizza, são muito mais rápidas e podem ser regravadas indefinidamente.

Que excitante, hein?

Na verdade, não.

Debaixo de todo esse verniz, o mundo continua essencialmente o mesmo. Cheio de conflitos, cheio de guerras e cheio de pessoas passando necessidades. Neste "pós-futuro" ainda não existe cura para o câncer ou para a AIDS. Aviões continuam caindo e as intempéries climáticas parecem nos afetar mais do que nunca. O medo da guerra global deu lugar ao medo do terrorismo generalizado. A globalização agora permite que um novo vírus surgido no interior do México possa matar milhares de pessoas em todo o mundo em questão de poucos meses.

A tecnologia nos surpreendeu de formas imprevisíveis, mas as nossas fantasias morreram na casca. Continuamos andando em automóveis convencionais e sendo vitimados em acidentes em estradas hiper-congestionadas. A Lua não está aberta para visitação e, aparentemente, isso não mudará no próximo meio século. As armas laser não apareceram, mas o velho e letal revólver está na mão do marginal que pode surgir de qualquer esquina, pronto para nos ferir ou matar. Continuamos tendo que amarrar nossos próprios cadarços. E estamos perdendo a habilidade inata de sermos felizes numa velocidade proporcional ao avanço de nossas conexões de banda larga.




Não me entendam mal, eu adoro as tralhas tecnológicas. Mas eu trocaria tudo isso de volta pelas minhas antigas expectativas, por uma revista nova recém comprada numa boa banca, por um computador jurássico carregando arquivos de um disquete molenga, pelas horas que não passavam, por um walkman com algumas boas fitas K7, por uma travessa de bolinhos açucarados numa tarde chuvosa de praia e por uma reprise de De Volta Para o Futuro  na  Tela Quente, para ver numa TV de tubo de 14 polegadas.




A grande contradição nesse mundo pós-futurista é que tudo está online e disponível, tornando mais difícil do que nunca identificar aquilo que é importante, aquilo que é digno do nosso tempo, aquilo que tem significado em nossas vidas.

Se estivéssemos MESMO no futuro, essas questões estariam melhor resolvidas. Vivemos, isso sim, num presente problemático, como tantos antes deste.

Não se empolguem, portanto. Não existe nada de tão impressionante no ano 2010. Nós é que tínhamos muita imaginação nos anos 80.

Um Feliz Ano Novo para todos vocês, e que as nossas conexões mais importantes sejam todas offline.


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