quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Mensagem de Ano-Novo do Caveira (ou "O Réveillon e o chato da Teoria da Relatividade")


Quando chega a hora das comemorações de Ano-Novo, não dá outra: tem sempre alguém prontinho, com pedras na mão, pronto para espinafrar o momento de comemoração coletiva, usando algum tipo de racionalização superficial como argumento. É o chato "do contra", querendo tirar a importância do momento só para azucrinar a festa alheia.

As máximas da inconveniência pseudocientífica nesta linha são variadas: "Einstem provou que o tempo não existe da forma como o percebemos"; "o Ano-Novo é meramente uma construção cultural"; "primeiro de janeiro é um dia como qualquer outro"; "não existe esta separação temporal artificialmente imposta pelas sociedades humanas", etc.

Não dê bola para frases feitas desse tipo: é pura chatice travestida de racionalismo científico (no caso, uma visão muito ingênua sobre o que vem a ser "ciência"). Ciência não é apenas números e constatação empírica de fatos do mundo natural, mas também o conhecimento, estudo e reflexão sobre a forma como nós, humanos, estamos no mundo e o interpretamos - seja por meio do pensamento, da linguagem, dos costumes ou das emoções.

Sentimos a passagem do tempo de uma determinada forma e construímos culturas e tradições com base nas nossas percepções. Isso nada tem de "anti-científico". Por que damos sentido e valor para as nossas experiências de vida? Simplesmente porque somos as únicas criaturas sobre a Terra capazes de fazê-lo. Nossas vidas podem parecer breves instantes na comparação com os corpos celestes que orbitam pelo cosmos por milhões de anos, mas nem as maiores estrelas e nem os mais exóticos planetas são capazes de interpretar suas existências e de dar valor e sentido para aquilo que experimentam. Modéstia à parte, é uma prerrogativa exclusiva dos humanos. É nóis na fita, galerê!

Então, caso alguém me perguntasse (ninguém perguntou), a minha mensagem de Ano-Novo seria esta: para fins comemorativos, pouco importa o que o tempo "é" do ponto de vista da física teórica, das modernas teorias matemáticas, etc. Pensar o nosso ser-no-mundo desta forma é de uma canhestrice análoga ao que descreve a famosa anedota literária de Douglas Adams, na qual um supercomputador passava milênios procurando a resposta para "a grande questão da vida, do universo e de todo o resto", apenas para ao final comunicar a todos que a aguardada e preciosa resposta era "42".

A nossa forma de estar no mundo, vivenciá-lo e interpretá-lo pede por momentos de encerramento e de renovação. Somos narrativas. Vivemos capítulos enquanto as nossas vidas estão sendo escritas. Somos a história sendo feita a cada dia que passa. E sabemos que somos imortais apenas por um período de tempo muito limitado.

Tudo isso representa um bocado de responsabilidade em nossos ombros e, por isso, um momento de pausa, reflexão, confraternização e celebração é absolutamente necessário.

Na festa de Ano-Novo, não tenha dúvidas: cerque-se das pessoas que você gosta e celebre com alegria este importante rito periódico de passagem. Ao contrário do que frequentemente acontece com os personagens do George R. R. Martin, você chegou vivo ao final de mais um capítulo. Você tem muito o que comemorar. E, quando aquele chato aparecer na festa "denunciando" o caráter "artificial" da ideia de Ano-Novo e a banalidade de nossas comemorações, não pense duas vezes: jogue o infeliz na piscina. De roupa e tudo, com o iPhone no bolso, para aprender a deixar de ser murrinha.

Feliz 2015 para todos!  :)


domingo, 7 de setembro de 2014

O Caveira analisa: ANGRY VIDEOGAME NERD - THE MOVIE





Bem-vindos, cripteiros, ao que provavelmente é o primeiro review de "Angry Videogame Nerd - The Movie" do Brasil! Baseado na famosa série de vídeos que se tornou célebre na internet, o aguardado longa-metragem de James Rolfe (criador e intérprete do "Nerd") teve sua exibição de estreia em 21 de julho deste ano, no Grauman's Egyptian Theatre em Hollywood. Tirando os poucos sortudos que puderam ver o filme em primeira mão naquela data, o longa ainda estava inacessível para o resto do mundo até o último dia 02 de setembro, quando foi lançado (para aluguel ou compra) por meio do serviço online de streaming Vimeo (disponível apenas com áudio original em inglês e sem legendas). Acabei de ver o filme e aqui vão as minhas considerações sobre ele.


A primeira coisa a dizer é que se trata, sem dúvida, de um filme de "nicho" voltado para um público mais ou menos específico. Significa dizer: se você é fã de retrogaming, tem memórias saudosas da época do Atari 2600, gosta de cinema (especialmente de filmes B, de ficção-científica e de terror) e já é fã dos vídeos tradicionais do Angry Videogame Nerd, então a chance de você gostar muito deste filme é basicamente de 99,9%. Remova cada uma das características acima elencadas, e o filme será menos interessante e recomendável para você. Definitivamente, não é um filme "para todo mundo".

Colocado de lado o fato óbvio de que o filme tem pouco a oferecer para quem não compartilha as paixões que movem Rolfe e seu personagem, a verdade é que sobra pouca coisa concreta para se criticar em "AVGN - The Movie". Provavelmente, a crítica mais "séria" que se pode fazer reside no fato de que o filme é um pouco longo em excesso. Com um tempo total de quase duas horas, o filme seria muito beneficiado por um corte de 20 ou 25 minutos na sua duração. Em alguns momentos, o ritmo do filme deixa um pouco a desejar. Mas não é nada grave, e a parte final da narrativa salva completamente o trabalho.



É claro que, tecnicamente, alguns críticos podem reclamar dos efeitos especiais. Em vários momentos, o filme apresenta alguns efeitos surpreendentemente convincentes e bem elaborados. Mas, em muitos outros, se vale de efeitos práticos risíveis, que poderiam ser considerados "falhos" do ponto de vista técnico. Pessoalmente, me pareceu que a opção claramente consciente de Rolfe por efeitos práticos de baixo acabamento representa não apenas uma denúncia do baixo orçamento do filme mas, sobretudo, uma opção estética com o objetivo de preservar a atmosfera de "filme B" da película. Uma das intenções evidentes de Rolfe é prestar tributo a este tipo de filme, basta ver pela quantidade de clichês de filmes B que aparecem neste trabalho. Por óbvio, essa marca tinha que aparecer também nos efeitos visuais e em algumas interpretações mais amadoras. Muito mais do que "limitações técnicas", estas questões ajudam a dar forma e personalidade para o filme. Na minha opinião, funcionaram muito bem.

Os fãs de Rolfe - ou pelo menos das paixões que o filme celebra (videogames antigos e filmes B) - terão muito o que apreciar ao longo das quase duas horas de duração do longa. O lado cômico no filme funciona suficientemente bem, há uma quantidade de ação surpreendente e bastante funcional e, no quesito narrativo, o filme consegue operar o milagre de chegar ao final costurando com sucesso uma grande quantidade de sub-tramas e reviravoltas absurdas e insanas. Por incrível que pareça, o elevado teor de nonsense do roteiro não chega a escapar do controle, e conduz a um desfecho completamente satisfatório. Trata-se de algo realmente impressionante, considerando o quão progressivamente absurda a trama vai se tornando ao longo do filme.

O roteiro, como muitos já sabem, toma como premissa a mais famosa "lenda urbana" da história dos videogames: o imenso fracasso comercial do jogo "E.T - The Extra Terrestrial" do Atari 2600, e os rumores de que milhares de unidades do cartucho teriam sido enterradas em um depósito no deserto do Novo México em virtude da rejeição em massa dos consumidores em relação ao péssimo game em questão (vale lembrar que um documentário recente provou que a lenda era verdadeira). 




Na trama do filme, uma empresa de videogames chamada Cockburn pretende capitalizar em cima do "culto" que existe sobre o jogo, lançando uma continuação intencionalmente ainda pior do que o original. Para garantir o sucesso comercial do "Eee Tee 2" e a sua imagem de "jogo tão ruim que as pessoas vão amar odiar", uma executiva da Cockburn, Mandi, planeja se entrosar com o famoso Angry Videogame Nerd para que ele faça um review "detonando" o novo game - e fazendo a fama dele. O pobre Nerd se recusa a divulgar este jogo horrível da mesma forma como, ao longo dos anos, sempre se recusou a resenhar o clássico "E.T" original. A intenção do Nerd é acabar com a mística que existe em torno do jogo original e com o culto gerado em torno dele. Para tanto, ele pede recursos da Cockburn para fazer um documentário provando que a lenda do enterro dos cartuchos seria uma fraude. Daí para frente, as coisas mais absurdas e inimagináveis começam a acontecer, e no final descobrimos que tudo o que achávamos que sabíamos sobre o velho jogo do Atari estava completamente errado, e que ele esconde mistérios que vão muito além do seu fracasso comercial.

Em resumo, "AVGN - The Movie" é uma espécie de declaração de amor ao retrogaming e aos filmes B e "trash". A mensagem que fica é sobre a magia das recordações divertidas do passado, mesmo que elas sejam decorrentes de joguinhos frustrantes, irritantes e mal acabados. Os gamers da época do Atari 2600 irão vibrar com a presença mais do que especial de Howard Scott Warshaw, o criador do infame "E.T" do Atari. Doug Walker, famoso na internet com o seu personagem Nostalgia Critic, também faz uma ponta. E é claro que não seria possível deixar de mencionar a aparição especial de Lloyd Kaufman, um dos diretores independentes mais festejados e amados do mundo. Só essa lista de convidados especiais já denuncia quais são as paixões que movem Rolfe na realização deste filme.

Além de todos os seus bons momentos de comédia, ação e aventura nonsense, o filme ainda entrega para os fãs aquilo que eles mais queriam há muito tempo: ao final, o Nerd finalmente analisa e comenta o infame "E.T" do Atari. E o resultado é de aquecer o coração de qualquer retrogamer.

Se você tem qualquer identificação com Rolfe e seu personagem, não deixe de ver este filme. É uma brincadeira extremamente satisfatória.