segunda-feira, 20 de julho de 2015

O Caveira analisa: "Maggie" (2015)

"Maggie" (2015) é uma pérola rara: um filme de zumbi que não segue quase nenhuma das convenções do gênero. A tradicional ênfase nos sustos, na correria, no tiroteio e na sanguinolência dá lugar a um drama familiar lento e sem sobressaltos, mas carregado de atmosfera e densidade emocional. 

Apesar dos elementos de filme de terror, "Maggie" é sobretudo um drama - e um drama surpreendentemente bem construído, diga-se de passagem. Schwarzenegger entrega uma das performances mais únicas e improváveis de toda a sua longa carreira, em um papel absolutamente diferente de qualquer coisa que ele já fez antes. Se você nunca imaginou que o velho Schwarza poderia arrancar lágrimas dos olhos do espectador, você precisa conferir este filme. Abigal Breslin também surpreende com uma performance forte, obtendo um resultado excelente em seu papel extremamente não convencional. 

Como geralmente acontece com a maior parte dos filmes ligados ao gênero terror, a crítica no geral não jogou muito confete neste aqui (apesar de alguns reviews da mídia especializada terem sido muito positivos). Da minha parte, acho que "Maggie" corre sério risco de, com o passar do tempo, virar um filme cult. 

Diferente, artístico e autêntico, o filme aborda a questão da sobrevivência em um cenário pós-apocalíptico de forma completamente diferente do que estamos acostumados a ver. O resultado pega o espectador pela garganta. 

Um filme único, tocante e sensacional. Confira.


domingo, 19 de julho de 2015

O Caveira analisa: "Burying the Ex" (2014)


"Burying the Ex", lançado em 2014, é uma grata e inesperada surpresa. O veterano diretor Joe Dante ressurge com essa divertidíssima comédia zumbi/splatter, lançada no ano passado. Filme leve e despretensioso, mas obrigatório para fãs do cinema de horror e claramente feito com todo o carinho para este público específico. Atenção para a participação especial do icônico Dick Miller (que já trabalhou em diversos filmes de horror ao longo das décadas, como Gremlins e Tales From the Crypt - Demon Knight), ressurgindo aqui numa rápida aparição, do alto de seus 86 anos de idade. 

A crítica, para variar, detonou o filme. Se fosse uma comédia romântica com um pouco menos de violência estética, certamente estaria com uns 80% no RottenTomatoes. Não dê bola para o mimimi dos "muggles": confira e divirta-se. 

Ah, está disponível no Popcorn Time!  ;)

quarta-feira, 15 de julho de 2015

A Burrice Exterminadora


Quase todo mundo conhece a premissa da cinessérie "O Exterminador do Futuro": o ano é 2029 e metade da população mundial foi exterminada em um único dia, por conta de múltiplos ataques nucleares promovidos por uma inteligência artificial chamada "Skynet", um sistema originalmente criado para o Departamento de Defesa norte-americano . Os sobreviventes, a partir disso, lutam desesperadamente para sobreviver aos ataques incessantes dos exércitos robóticos criados e liderados pela sinistra inteligência em rede, que pretende exterminar toda a humanidade.

Desde 1984, ano em que o filme original foi lançado, Skynet se transformou no símbolo-mor das "inteligências artificiais malévolas" e em uma das referências mais frequentes e comuns em todos os debates sobre os riscos do desenvolvimento de inteligências artificiais.

A inteligência e o caráter de Skynet são temas que receberam tratamento diferenciado nas diversas iterações deste universo fictício nos cinemas. Enquanto filmes mais recentes da série têm sugerido um Skynet cruel e malévolo, que despreza a humanidade e quer "superá-la", os dois primeiros filmes (de 1984 e 1991, respectivamente) adotam uma abordagem mais ambígua e menos maniqueísta.

Se a sua paciência me permitir, eu gostaria de sugerir um novo olhar sobre este popular vilão da cultura popular. Sempre pensamos em Skynet como o exemplo quintessencial de inteligência artificial, quase como sendo uma divindade digital. Será mesmo? Na contramão desta concepção tradicional, proponho uma outra perspectiva: e se, na verdade, o grande problema do Skynet residir no fato de que ele é burro e estúpido demais?

Explico: Skynet foi criado para otimizar a defesa aeroespacial norte-americana. Ele foi desenvolvido com o objetivo de assegurar a paz, por meio da automatização completa de toda a rede de sistemas de defesa dos EUA. Tudo corria maravilhosamente bem, até que aconteceu um detalhe imprevisto: Skynet se tornou autoconsciente.

O que isso significa? Significa que, a partir deste momento, ele se tornou capaz de fazer interpretações livres e juízos de valor independentes, ao contrário de meramente seguir um programa de computador. Ele passou a ter a possibilidade de pensar sobre o papel defensivo para o qual foi criado, ao invés de apenas desempenhá-lo por meio de diretrizes estabelecidas e algoritmos otimizados. E, em questão de segundos, ele chegou à mais estúpida, pobre e imatura das conclusões: que a paz absoluta sobre a Terra só poderia vir a existir com o extermínio total da raça humana.

Antes de alguém querer jogar pedras em Skynet, permita-me defendê-lo neste ponto em particular: do ponto de vista formal, a lógica dele é inatacável. De fato, um mundo sem pessoas é um mundo sem guerras, de paz absoluta. Problema resolvido. Que se trata de uma solução eficiente, isso é indiscutível. A questão é que se trata de uma solução estúpida e irrefletida, do tipo que atira pela janela a água da bacia com a criança ainda dentro.

Skynet, em toda a sua primariedade e simplicidade cognitiva, não é capaz de compreender a vida humana como um valor, nem de raciocinar com base em princípios. Uma verdadeira inteligência artificial (supondo que isso seja possível) compreenderia que a defesa militar de uma nação não é um valor em si, mas sim um valor derivado, que decorre da importância da proteção à integridade, à saúde e à vida dos seres humanos. Uma criança consegue compreender isso. Skynet, que não passa de um ábaco avantajado, não consegue.

Corro sério risco de ser mal compreendido aqui. Quer dizer que o argumento original de "O Exterminador do Futuro" é tolo e que devemos parar de nos preocuparmos com inteligências artificiais? Pelo contrário: este novo olhar que estou sugerindo sobre Skynet apenas nos mostra que o perigo é muito mais plausível do que se poderia imaginar. O único detalhe é que nossa preocupação não deve ser focada em máquinas inteligentíssimas - que certo dia acordam de manhã subitamente conscientes e resolvem abraçar "o mal" - mas sim com máquinas estúpidas e obtusas às quais, de forma ingênua, nós confiamos tarefas importantes sem levarmos em consideração a completa falta de inteligência das ferramentas que criamos. Aqui já saímos da minha opinião sobre o Skynet e entramos em uma crítica mais ampla, que já está sendo levada adiante por muitos estudiosos.

"O que você deve temer é um computador que seja competente em apenas uma área muito pequena, em um grau limitado", afirma o professor de física do MIT, Max Tegmark. Para ele, o recente incidente na fábrica alemã da Volkswagen, no qual um robô acidentalmente matou um trabalhador, "foi um exemplo de uma máquina sendo estúpida, não fazendo algo mau, mas tratando uma pessoa como se ela fosse um pedaço de metal". Eu acrescentaria: qualquer semelhança com Skynet não é mera coincidência. É preciso ser incrivelmente estúpido e desprovido de inteligência para achar que "defesa militar" é um valor superior e absolutamente alheio e desvinculado à vida humana, não é mesmo?

"Pessoas que estudam inteligência artificial sabem que um computador que joga xadrez, ainda assim, não anseia por capturar a rainha", afirma o professor de Ciência da Computação da Universidade da Califórnia, Stuart Russell. "O que falta para o programa de computador é ter, por trás dele, uma estrutura de valores", ele complementa. "A má compreensão é achar que só existe um risco se houver consciência".

Concluo: deveríamos ficar surpresos com o fato de que é a burrice artificial, e não a inteligência artificial, o verdadeiro fator de risco e a real ameaça ao nosso futuro enquanto civilização? Qual é a novidade aí? Nenhuma, ao que me parece. Fora do mundo dos robôs, das redes e dos computadores, as grandes ameaças ao exercício pleno do nosso brilhante potencial de seres humanos sempre foram - e continuam sendo - estas mesmas: a ignorância incompreensiva, a pressa burra, a ausência de senso crítico, a incoerência, a estupidez agressiva e violenta, a incapacidade de compreensão do conceito de dignidade da vida humana e, last but not least, a lógica formal que se recusa a dialogar com os valores morais, políticos, sociais e jurídicos do entorno, construídos histórica e culturalmente. O fato é que o sono da razão valorativa produz monstros - tão ou mais terríveis do que aquele famoso e sinistro esqueleto robótico de metal, de olhos vermelhos e recoberto com pele de Schwarzenegger.

Nas palavras de Victor Frankl: "Não foram apenas alguns ministérios de Berlim que inventaram as câmaras de gás de Maidanek, Auschwitz, Treblinka: elas foram preparadas nos escritórios e salas de aula de cientistas e filósofos niilistas, entre os quais se contavam e contam alguns pensadores anglo-saxônicos laureados com o Prêmio Nobel. É que, se a vida humana não passa do insignificante produto acidental de umas moléculas de proteína, pouco importa que um psicopata seja eliminado como inútil e que ao psicopata se acrescentem mais uns quantos povos inferiores: tudo isto não é senão raciocínio lógico e consequente".

Não parece muito com o tipo da coisa que faria Skynet, aquele estúpido aplicativo turbinado de smartphone?

terça-feira, 23 de junho de 2015

O Caveira analisa: "Sexta-Feira 13 - Arquivos de Crystal Lake"


 

Nas últimas duas semanas, nas horas vagas, li "Sexta-Feira 13 - Arquivos de Crystal Lake", de David Groove, recentemente lançado por aqui pela editora Darkside. Agora que concluí a leitura, só o que tenho a dizer para os fãs do filme original de 1980 é o seguinte: leiam este livro! Ele cobre toda a história da concepção, filmagem e produção do primeiro e clássico "Sexta-Feira 13", com uma série de fotos, declarações e fatos muito interessantes e que certamente são desconhecidos até pelos fãs mais ardorosos. 

[SPOILER ALERT] 

Seguem abaixo alguns exemplos de curiosidades que eu não sabia sobre o filme e que achei divertidíssimas:

1 - "Sexta-Feira 13" foi filmado na pequena cidade norte-americana de Blairstown, que na época das filmagens (1979) tinha em torno de uns 4.000 habitantes. A produção chamou a atenção do mais famoso morador da pequena cidade, que chegou a visitar o local das filmagens, assistir as gravações de algumas cenas, conversar e fazer festa com os atores e demais profissionais envolvidos na produção. Seu nome? LOU REED! É sério! O padrinho do punk supervisionou a produção do slasher movie mais famoso de todos os tempos! :D

2 - O conceito do filme nasceu ... do nome! O diretor Sean Cunninghan simplesmente pensou que precisava dirigir um filme com um nome impactante e pensou em "Sexta-Feira 13". Era só o que ele tinha. Depois, o início da produção foi pomposamente anunciado em algumas publicações da época, para atrair estúdios e investidores, e mesmo até então só o que existia era o nome do filme e um logo caprichado, feito com letras que quebravam uma vidraça em um efeito 3D. O roteiro só foi ganhar algum mínimo de corpo meses depois, e mesmo na versão final era magrinho, sendo que várias cenas e falas foram improvisadas nas filmagens ou concebidas já na fase de produção. A célebre cena final, que mostra Jason saindo do lago para atacar Alice, só foi criada quando o filme estava quase começando a ser rodado.

3 - A lista de atrizes veteranas para interpretar a Sra. Voorhees incluiu Dorothy Malone, Estelle Parsons, Shelley Winters e Louise Lasser. O nome de Betsy Palmer nem estava entre as possibilidades inicialmente cogitadas. Ela só foi confirmada no papel quando a produção já estava em avançado estado e simplesmente não podia mais continuar sem a sua personagem. Todas as "aparições" parciais da assassina antes da parte final do filme foram gravadas com diferentes pessoas da equipe técnica "interpretando" a personagem, já que Betsy chegou nas filmagens só mais diante.

4 - Betsy Palmer não fazia filmes há um bom tempo e era uma atriz de formação mais teatral. Nas cenas em que ela tinha que bater na personagem de Adrienne King, ela foi lá e simplesmente sentou a mão na atriz, de verdade. O clima ficou meio ruim entre as duas, mas ninguém quis censurar a veterana atriz.

5 - A esposa do diretor Sean Cunningham estava com ele durante as filmagens, participando de aspectos técnicos da produção. Surpreendentemente, sabe-se lá como, isso não impediu que Cunningham e Adrienne King tivessem um caso durante o período. Ironicamente, King interpretava justamente a mocinha virginal e casta do grupo.

Enfim, recomendo a leitura deste imperdível deleite para fãs do cinema de horror.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

O Caveira analisa: "The Sleeper" (2012)


A ideia por trás de "The Sleeper" (2012) é interessante. O diretor Justin Russell pretendeu criar um slasher movie contemporâneo que fosse não apenas ambientado no começo dos anos 1980 como, também, parecesse ter sido feito naquela época. Russell atinge seu objetivo com relativo sucesso. Tirando algumas cenas pontuais, na maior parte do tempo o filme até consegue passar a impressão de realmente ser uma produção do comecinho dos 80s. 

O problema é que a devoção de Russell pela atmosfera da época, aparentemente, fez com que ele desse mais prioridade para a estética do que para a qualidade final do filme. No afã de parecer um slasher movie antigo, "The Sleeper" acaba ostentando algumas das piores características típicas de produções menos memoráveis da época, como atuações de qualidade duvidosa, ritmo lento e aborrecido, cenas de assassinato forçadas e nada convincentes, trama sem pé nem cabeça e por aí vai.

A história de "The Sleeper" se passa em 1981 e de fato, na maior parte do tempo, ele parece um filme de terror feito naquela época. Só que, infelizmente, ele não se parece com os grandes filmes slasher daqueles tempos, como "Halloween" ou "Sexta-Feira 13", mas sim com as toneladas de imitações que esses dois clássicos geraram naquele período e que, em sua maioria, já eram sofríveis ou medíocres até mesmo para os padrões da época. 

Enfim, "The Sleeper" vale como uma curiosidade interessante para fãs de filmes de terror que já tenham passado dos trinta. Espectadores mais jovens devem evitar este filme, sob o risco de entrarem em coma com o ritmo lento, aborrecido, sem terror, sem história e sem quaisquer surpresas. Para quem tiver paciência de encará-lo, o filme diverte em alguns poucos momentos específicos - como na cena da dança coreografada na boate, que tranquilamente é a pior, mais artificial e mais vergonhosa cena de dança que eu já vi em qualquer filme em toda a minha vida.


quarta-feira, 17 de junho de 2015

Um breve comentário sobre a E3 2015

Um breve comentário gamer: os pontos altos da E3 foram Super Mario Maker (que já tinha sido anunciado pela primeira vez na edição passada), o remake de Final Fantasy VII, os novos jogos das famosas séries Fallout, Doom e Uncharted, a ressurreição de Shenmue, os novos jogos das consagradas séries Starfox e Zelda para WiiU, a retrocompatibilidade do Xbox One com o Xbox 360 e os remakes de jogos do Ps3 para o Ps4. 

Notaram alguma coisa errada nisso tudo?

Agora é oficial, gurizada medonha: a mesma esterilidade criativa que acomete a grande indústria cinematográfica há anos chegou, finalmente, à indústria dos videogames.

Remakes, reciclagens e remasterizações em HD. Não esperem muita vida e criatividade por parte das grandes desenvolvedoras, pelo menos no curto-médio prazo.

Fiquem à vontade para me chamar de saudosista, mas tenho memórias muito legais de ter vivido numa época em que, todo ano, surgia uma nova e brilhante franquia lendária dos videogames.

A ironia da coisa toda: a Era de Ouro da criatividade nos videogames foi também a era das limitações tecnológicas, do hardware pobre e das máquinas modestas. Hoje, vivemos na Era de Ouro da tecnologia, com consoles superpoderosos e seus gráficos de qualidade quase foto-realística - e tudo isso convive com a mais deprimente falta de espírito criativo e renovador.

domingo, 14 de junho de 2015

O Caveira analisa: "Kung Fury" (2015)

Ridiculamente empolgante, absurdamente divertido e absolutamente apaixonante com o seu humor assumidamente ultraexagerado e nonsense, o curta sueco "Kung Fury" (2015) é um triunfo sob qualquer aspecto passível de análise. 

É um sucesso no seu sistema de financiamento independente (o filme arrecadou US$ 630.000 no Kickstarter), é um sucesso como realização independente e um sucesso como apaixonada carta de amor aos fãs da estética e do feeling da cultura pop dos anos 80. 

Em cada detalhe visual, narrativo e sonoro, se percebe que os realizadores do filme não são meros fãs de ocasião, pisando em solo desconhecido, mas sim mestres no know-how oitentista e genuínos amantes da atmosfera da arte pop da época. 

O roteiro não passa de uma sequência absurda de bobagens viajantes das mais ridículas possíveis, concebidas com a única e exclusiva finalidade de homenagear e fazer referência a uma imensa gama de totens sagrados do pop oitentista, como Tron, The Terminator, Back to the Future, Miami Vice, Lethal Weapon, Little Trouble in Big China, Knight Rider, metal farofa, filmes de ninja, desenhos animados dos 80s, jogos de videogame side-scrollers do gênero beat'em up e por aí vai. 

Com um visual surpreendentemente bem concebido, cheio de personalidade, e com efeitos especiais eficazes para além das expectativas mais otimistas, "Kung Fury" já vem ao mundo colocado acima do bem e do mal. Não há o que criticar no filme - exceto o fato de que a sua meia hora de duração é cruelmente insuficiente e deixa o espectador suplicando por mais deste universo. 

Como não poderia deixar de ser, a trilha sonora se esmera para soar tão "over the top" e épico-oitentista quanto possível, com magnífico resultado. "Kung Fury" é mais uma prova daquilo que, no fundo, todos nós sabemos: que o cinema é uma coisa absurdamente maravilhosa quando feito por pessoas que realmente amam e conhecem o material com o qual se propõem a trabalhar. Agora ficarei no aguardo de um longa-metragem.


sábado, 13 de junho de 2015

Top Five do Caveira - Melhores Solos de Sax de Todos os Tempos (na música pop)


 

5 - I Still Believe (Tim Cappello, da trilha sonora de The Lost Boys).

4 - Your Latest Trick (Dire Straits).

3 - Love Theme (Vangelis, da trilha sonora de Blade Runner).

2 - Careless Whisper (George Michael).

1 - Baker Street (Gerry Rafferty).

quinta-feira, 4 de junho de 2015

O Caveira analisa: "Superman IV" (1987)

Revendo o velho "Superman IV", de 1987, me ocorreram algumas constatações. O filme é tão mal executado e tem tantas falhas graves que acho que nunca tinha me dado conta de suas qualidades. 

Os roteiristas passaram muito perto de uma história muito boa. A premissa do conflito interno do Superman (entre acabar com a ameaça nuclear ou seguir sua filosofia de não intervenção nas grandes decisões da humanidade) é ótima. Pela primeira vez, me questiono se a ideia não foi roubada da HQ "Watchmen", lançada um ano antes. 

Há ainda, subjacente na trama, um conflito entre o progresso movido tão somente pela ganância e a necessidade de conservação e preservação de bons valores que preservam a humanidade das pessoas. Isso pode ser visto na cena em que Clark se recusa a vender a velha fazenda da família para investidores que querem construir estabelecimentos comerciais, insistindo em vender a propriedade apenas para quem queira manter a fazenda. Essa breve cena resume o conflito maior, desenvolvido ao longo de todo o filme, entre a manutenção do Planeta Diário como um jornal íntegro e sério e a sua venda para um magnata inescrupuloso que quer transformar o jornal em um pasquim sensacionalista, preocupando-se apenas com as vendas e nada mais. 

Havia uma porção de ideias boas na produção - em torno desta dicotomia entre a dignidade humana e o potencial destrutivo de um progressismo irracional, alheio aos valores éticos e morais - mas tudo veio abaixo em razão, sobretudo, da verba apertada da produção. O filme foi produzido com menos da metade do que foi gasto no episódio anterior e com menos de 1/3 do orçamento do primeiro filme de 1978. O resultado são efeitos especiais que perdem de dez a zero para os filmes mais antigos e uma pobreza visual deplorável. Até nas locações o filme é econômico, como na inacreditável cena em que Superman vai discursar na sede da ONU e os produtores não se deram o trabalho nem de filmar as cenas externas na sede real da ONU, optando por um prédio qualquer. 

Com mais uns vinte milhões de dólares de orçamento e mais umas cinco revisões profundas no roteiro (a ideia do "Homem Nuclear" é de uma idiotice inacreditável), "Superman IV" poderia ter sido um grande filme. 

Apenas uma ideia: e se, após o discurso do Superman na ONU, a comunidade internacional se dividisse sobre a decisão unilateral dele de acabar com as armas nucleares? E se setores dos exércitos americano e russo resolvessem combater o Superman com super vilões, desenvolvidos com o fim preventivo de estabelecer limites aos poderes do Homem de Aço? Que tal o General Lane, comandando uma divisão secreta do exército americano e colocando Metallo no encalço do Superman? É só um exemplo de quantas ideias legais poderiam ter sido ligadas à premissa do filme. 

A inútil inclusão de Lex Luthor na trama e a inacreditável escolha do ridículo "Homem Nuclear" como antagonista foram decisões infelizes que atuaram de forma determinante para desgraçar este filme para toda a eternidade. O começo e o fim de "Superman IV" estavam no caminho certo. O problema foi o desenvolvimento, sofrível até o limite do insuportável.


terça-feira, 19 de maio de 2015

O Caveira analisa: "Mad Max - Fury Road" (2015)




Não me perguntem, por favor, quais são os motivos pelos quais a crítica e o público estão aclamando universalmente o novo "Mad Max - Fury Road", atualmente em cartaz nos nossos cinemas. 

Talvez seja algum caso de histeria coletiva inexplicada. Talvez o marketing do filme tenha sido muito inteligente. Ou talvez, o que é mais provável, as pessoas no ano 2015 simplesmente não tenham mais nenhuma lembrança da trilogia original e estejam curtindo o novo filme apenas pela sua profusão de pirotecnias e coreografias. É só uma teoria. 

Eu não esperava absolutamente nada do filme quando comecei a ler sobre o andamento da produção. Quando vi o primeiro trailer, fiquei ainda mais pessimista. No entanto, confesso, fui contaminado pela euforia da crítica e do público em relação ao filme e fui no cinema esperando um ótimo novo capítulo da série Mad Max. 

Rapaz, que decepção!

O resto desta minha análise contém alguns pequenos spoilers. Se você ainda não viu o filme, posso estragar algumas pequenas surpresas mínimas (nada muito grave, prometo).

Para começo de conversa, nenhum dos responsáveis pelo novo filme achou importante definir se ele seria um remake ou uma continuação. O resultado ficou perfeitamente adequado ao cuidado que tiveram com o filme nesse quesito. Do ponto de vista narrativo, o novo filme não é nada: não faz sentido enquanto continuação e não se sustenta enquanto remake. Se o objetivo era fazer uma produção sem identidade, incapaz de dialogar com a tradição de seu próprio material-fonte, então só o que tenho a dizer é: parabéns, missão cumprida!

O protagonista, Max, é um sobrevivente nômade e errante em um mundo pós-apocalíptico. Nada sabemos sobre o seu passado, já que o filme não canoniza os episódios anteriores e, tampouco, se preocupa em criar uma nova história. Max é constantemente assombrado por demônios do seu passado, especialmente por visões de uma garotinha que, supõe-se, morreu em algum momento antes do filme. 

Quem era esta garotinha? Por que Max perdeu qualquer esperança? Por que ele age do jeito que age? Bom, quem se importa, não é mesmo? 

Dane-se o espectador, dane-se a narrativa, dane-se a continuidade da série, dane-se o personagem: bem-vindo à escola Michael Bay de entretenimento cinematográfico! Hipnotize o espectador com duas horas de malabarismos em alta velocidade repetidos ao limite da exaustão e da náusea e pronto, ninguém vai dar bola para mais nenhum aspecto da produção.

"Mad Max - Fury Road" é um dos filmes hollywoodianos mais incrivelmente estúpidos dos últimos anos. O roteiro é digno de um episódio de Tom & Jerry. Os personagens são nulos. Tudo é ridiculamente caricato. Todos os grandes temas característicos do universo Mad Max são deixados intocados. Sinceramente, não consigo nem imaginar uma forma mais inepta de interpretar o universo dos filmes originais do que a adotada neste filme. Os produtores, aparentemente, quiseram fazer um Mad Max para crianças. 

Fico imaginando o brainstorm para composição do roteiro:

- No que você pensa quando se fala em "Mad Max"?
- Hmmmm ... penso em perseguições de veículos potentes e de visual agressivo tendo como pano de fundo as estradas desoladas do deserto australiano.
- Oba, ótimo conceito! Vamos exibir duas horas disso no cinema. Ok, rapazes, hora do almoço, acho que dissecamos tudo o que havia para se pensar a respeito por aqui. Mãos à obra!

Durante anos, achei que o maior óbice para a produção de um novo filme da série seria a ausência de Mel Gibson. Confesso: não senti falta de Gibson em absolutamente nenhum momento do novo filme. Se Gibson, magicamente, voltasse a ter trinta anos de idade e estivesse neste novo filme, não faria a menor diferença. Quem está ausente em "Fury Road" não é Mel Gibson, mas sim Max Rockatansky. 

O cara que está ali no lugar dele, como protagonista, é um sujeito sem passado do qual nada sabemos e que, na maior parte do tempo, se parece muito pouco com o que se viu anteriormente sobre o personagem. Nada sobre a história, o passado e as motivações do personagem é esclarecido. Podemos ficar conjecturando se o passado dele é aquele que vimos nos filmes de 1979, 1981 e 1985 ou se nada daquilo vale. Tanto faz. O novo Max é um personagem estéril cuja profundidade é igual ao tempo que o filme dedica para o seu background, ou seja, zero.

Frequentemente, vejo filmes ótimos ficarem com notas do tipo "60%" ou "70%" no agregador de reviews Rotten Tomatoes. O que é mais raro é acontecer o contrário: um filme medíocre sendo aclamado como obra-prima, aplaudido de pé por crítica e público. Como já mencionei anteriormente, não me pergunte o motivo. Para mim, é um choque ver tanto confete sendo jogado em cima de um filme que não é melhor do que nenhum dos últimos dois filmes da série "Transformers" do Michael Bay.

Existe alguma coisa boa no novo "Mad Max - Fury Road"? Sim, existe. São duas coisas, na verdade. A primeira se chama Charlize Theron, na única atuação e personagem dignas de nota no filme inteiro. Ela é a única coisa que impede o filme de ser simplesmente um videogame de corrida e tiroteio. A segunda coisa boa é a qualidade técnica das cenas de perseguição e ação. Você provavelmente vai curtir muito elas até certo ponto, mais precisamente até o momento em que você começar a ficar exausto(a) de tantas cambalhotas, explosões, atropelamentos e colisões. Mas faça um esforço para curtir essas coisas tanto quanto possível, já que este filme não tem mais absolutamente nada para oferecer, do começo ao fim.

Agora, uma nota cômica para relaxar a frustração: você acredita que andam dizendo por aí que esse novo filme é "melhor" do que Mad Max 2? Juro que é verdade. Deve ser alguma coisa que estão colocando na água desse pessoal, ou vai ver que é um sinal do fim dos tempos. 

Na dúvida, sugiro estocar água e comida. E gasolina!

segunda-feira, 18 de maio de 2015

O Caveira analisa: "Mad Max - Beyond Thunderdome" (1985)



E a minha maratona termina com "Mad Max - Beyond Thunderdome", de 1985. 

Do ponto de vista narrativo e da ambientação do universo estabelecido pelo segundo filme, esta terceira parte é simplesmente um completo desastre. 

Primeiro: o roteiro é uma disneylândia de fatos desconexos. 

Segundo: aparentemente, a ideia dos produtores era fazer um Mad Max para "toda a família". O resultado é que a violência dos filmes anteriores foi drasticamente reduzida, até mesmo cartunizada em certos momentos. Para piorar, em algumas horas o filme mais parece algo do tipo "Mad Max na ilha do Senhor das Moscas" ou "Mad Max e os Garotos Perdidos do Peter Pan". 

Presumo que seja possível gostar deste filme (sei lá, existe gosto para tudo...), mas permanece o fato inegável de que se trata do "menos Mad Max" de todos os três filmes da trilogia original. Na maior parte do tempo, o espectador tem a impressão de estar vendo qualquer outro filme estrelado por Mel Gibson, menos uma continuação do clássico Mad Max 2. 

Este terceiro filme da série é excessivamente "pasteurizado", parece hollywoodianamente artificial desde os primeiros minutos e falha miseravelmente na tentativa de recapturar aquela atmosfera pós-apocalíptica verossímil do segundo filme. Carregado de nonsense e com um roteiro cheio de furos, a trama vai do nada para lugar nenhum. 

A trilogia Mad Max, é preciso reconhecer, é muito irregular: começa com um filme inovador e audacioso, porém bastante falho sob diversos aspectos. Depois chega em um filme absolutamente perfeito, um dos melhores filmes de ação/aventura da história do cinema. Por fim, a trilogia fecha com um capítulo desencontrado, infantilizado e burocrático. 

O terceiro filme tem alguns momentos bons? Tem: a participação de Tina Turner é divertida, a luta na "Cúpula do Trovão" é simplesmente épica e ... e ... bem, a Cúpula do Trovão é bem legal, foi uma boa ideia. E ... hmmmmm, deixa eu pensar. Tem também .... hmmmmm, eu já comentei sobre a Cúpula do Trovão? Não é à toa que a Cúpula do Trovão foi parar no nome do filme, já que é basicamente a única parte realmente legal da coisa toda. 

Aliás, para ser sincero, a impressão que dá é que os caras só tinham roteiro para um curta-metragem muito legal chamado "Mad Max - Thunderdome" e que, depois de completarem as filmagens, decidiram transformar o projeto em um longa metragem, acrescentando um monte de bobagens para encher linguiça e esticar a duração da película. 

Podem acreditar: sabe o que é que tem para "além da Cúpula do Trovão"? Não tem nada!

O primeiro filme da série pode ser meio chato, mas este aqui é, disparado, o mais bobo e desnecessário.

domingo, 17 de maio de 2015

O Caveira analisa: "Mad Max 2" (1981)



Sobre "Mad Max 2", de 1981: me declaro suspeito e impedido de fazer qualquer análise crítica sobre o filme, dada a minha paixão de longa data por ele. 

Mas, também, dizer o quê sobre este filme? 

Que é uma das melhores continuações de todos os tempos? 

Que é perfeito do começo ao fim? 

Que seu tom e estética exerceram influência sobre toda a cultura pop dos anos 1980? 

Que é a realização plena de tudo aquilo que, no primeiro filme, era só potencial? 

Que a ação eletrizante das cenas de perseguição pelas estradas era sem precedentes na história do cinema? 

Que a atmosfera, a direção e o ritmo do filme são irretocáveis? 

Que o filme que veio antes deste e o filme que veio depois, em 1985, viraram apenas notas de rodapé diante deste? 

O fato é que o filme foi lançado há 34 anos atrás e tem invejáveis 98% no agregador de reviews Rotten Tomatoes. 

De qualquer forma, não perca tempo falando, escrevendo ou lendo sobre "Mad Max 2": veja-o! Com urgência, se nunca viu, e assim que possível, se for para meramente revê-lo. 

Uma distopia futurista crua, brutal, original, direta e em alta velocidade. Indispensável.

sábado, 16 de maio de 2015

O Caveira analisa: "Mad Max" (1979)



Fiz uma maratona Mad Max noite adentro, preparando o espírito para o novo filme da série. Comecei, é claro, com o "Mad Max" original de 1979. 

Esta deve ser pelo menos a quinta vez que vejo o filme ao longo da vida, e minha opinião sobre ele se mantém basicamente a mesma: é simplesmente um filme chato. As falhas de ritmo são insuportáveis. O filme só fica realmente bom nos seus vinte minutos finais. A narrativa é pobre e incoerente e a pretendida atmosfera pós-apocalíptica é construída de forma excessivamente rudimentar e pouco convincente. 

Não ignoro o fato de que se trata de uma produção de orçamento relativamente baixo, mas os meus problemas com este filme não dizem respeito às questões de efeitos técnicos (que, a meu ver, são surpreendentemente competentes e constituem um dos pontos altos da produção) e sim com as terríveis deficiências de ritmo, narrativa e ambientação, que poderiam ser resolvidas sem o acréscimo de um único dólar no custo do filme. 

Este primeiro "Mad Max" tem alguns momentos memoráveis e é recheado de boas ideias, mas no final das contas o seu maior mérito foi ter servido como prelúdio para a continuação "Mad Max 2" (1981), um filme infinitamente superior.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O Caveira comenta: o novo "GHOSTBUSTERS" previsto para 2016.



 

E foi confirmado essa semana que o novo Ghostbusters será lançado em 22 de julho de 2016 e que todo o elenco principal será feminino. As novas caça-fantasmas serão as atrizes Kristen Wiig, Melissa McCarthy, Kate McKinnon e Leslie Jones. O filme, aparentemente, será um reboot sem nenhuma relação de continuidade com o universo dos dois filmes originais de 1984 e 1989.


Como um fã por toda a vida dos filmes originais, achei que deveria comentar alguma coisa sobre isso.

Um filme com uma nova equipe, só de mulheres, num universo distinto dos filmes originais, é o ideal? É aquilo que os fãs dos Caça-Fantasmas queriam e esperaram durante muitos anos? Não, não é.

Vamos falar sobre o "ideal". O ideal é que Ghostbusters 2, de 1989, tivesse sido uma continuação melhor. Isso teria propiciado um feedback melhor da crítica e do público e, com grande probabilidade, teria levado a um terceiro filme com o elenco original ainda na primeira metade dos anos 90. Como sabemos, nada disso aconteceu. Embora tenha sido um relativo sucesso de bilheteria na época (e aprovado por parcela dos fãs, entre os quais me incluo), o segundo filme de certa forma "enterrou" a franquia.

O "ideal" é que, apesar de Ghostbusters 2 ter deixado a desejar, os quatro atores principais e o diretor Ivan Reitman conseguissem se acertar para o lançamento de um terceiro filme numa época em que os atores ainda não estavam velhos demais (ou gordos demais) para voltar à pele de seus personagens. Na minha singela opinião, isso tinha que ter acontecido, no máximo, até 1999 - o décimo aniversário do segundo filme. Depois disso, já era tarde demais.

Depois disso, com o elenco principal já velho e gordo, o "ideal" era que Ghostbusters 3 fosse um filme de transição, com os velhos Caça-Fantasmas passando a tocha para uma nova geração. Durante muitos anos, parecia que esse seria o caminho natural da franquia. Só que, sabe Deus por que, o estúdio e os produtores ficaram se arrastando em cima da questão por anos e anos e anos a fio, e daí o pior aconteceu.

Chegou fevereiro de 2014 e Harold Ramis, o eterno Egon Spengler, morreu.

Como falar em um cenário "ideal" para Ghostbusters em um mundo em que Harold Ramis não está mais entre nós?

Minha sugestão para os fãs? Esqueçam o "ideal". O universo "original" dos Caça-Fantasmas (formado pelos dois filmes de 1984 e 1989, bem como pelo jogo de videogame de 2009) está fechado, encerrado e não há mais como voltar a ele - a menos que seja por alguma via alternativa que dispense atores de carne e osso (livros, HQs, animações, etc). O segundo filme já conta com 26 anos nas costas. A hora de retomar aquele universo nos cinemas passou há muito tempo, e morreu em definitivo em fevereiro de 2014, junto com Ramis. É um ciclo que terminou, e isso não é necessariamente uma má notícia, pois sempre teremos os dois filmes originais e o ótimo complemento dado pelo game de 2009.

O novo Ghostbusters de 2016 vai ter o seu universo próprio, uma realidade à parte. E, na minha opinião, a ideia de adotar uma nova abordagem, com uma equipe feminina, é excelente. Ao contrário do que alguns "indignados" andam dizendo na internet, o filme original de 1984 nunca foi um filme "de homem" ou um filme "sobre caras" - ele é um "buddy movie". É um filme sobre amigos, sobre pessoas socialmente desajustadas e rebeldes, que se recusam a se ajustar aos padrões e que vencem na vida sem observar as regras convencionais - um tema recorrente nos personagens criados por Harold Ramis ao longo de sua carreira.

Acredito que o novo filme, explorando esta temática sob um viés agora feminino, pode render situações memoráveis e hilárias. É claro que só Deus sabe se o filme vai ser bom ou não. Mas ele começa bem. Seria uma temeridade tentar fazer um "remake" do original, com a preocupação de ser "fiel" a ele. Da mesma forma, não há mais condições de pensar numa continuação propriamente dita. Um reboot do zero, com suas próprias regras, é a única saída possível. Como já vimos, não é o ideal. Mas os diferentes cenários "ideais" para a franquia já pertencem todos ao passado. O futuro da franquia está com Wiig, McCarthy, McKinnon e Jones. Toda sorte do mundo para elas, e vida longa para os (e para as) Caça-Fantasmas! 


sábado, 3 de janeiro de 2015

A Solidão do Corredor de Longa Distância



(Este texto foi originalmente publicado, em versão reduzida e com o título alterado para "A Solidão do Maratonista", em uma das edições do ano de 2014 do caderno Movi+, do Jornal NH).
 

Um dos perigos da vida contemporânea é a destacada vocação da nossa sociedade para a padronização dos indivíduos. Antigamente, nos perguntávamos qual era o nosso papel no universo e no esquema maior do grande mistério da vida. Hoje, nos perguntamos qual é o nosso papel nas engrenagens dos sistemas sociais - supondo que haja algum.

O que somos nós? Usuários, consumidores, trabalhadores, espectadores: nomes e estatísticas em bancos de dados. A perda da riqueza da individualidade é "compensada" por um número sem precedentes de opções na hora de consumir (afinal, vivemos na "Era da Customização"), o que permite que cada consumidor seja maravilhosamente único ... enquanto consumidor. Mais ou menos como se deixássemos de ser apenas mais um tijolo no muro porque, agora, cada tijolinho tem uma cor diferente - customizável!

O genial quadrinista Bill Watterson, em uma das célebres tirinhas da série "Calvin and Hobbes" ("Calvin e Haroldo" aqui no Brasil), exibia o pequeno Calvin com uma camiseta repleta de marcas famosas, enquanto o personagem esclarecia ao seu amigo Hobbes a importância daquilo: "Endossar marcas consagradas é o jeito americano de demonstrar individualidade".

Uma sociedade que direciona as pessoas para papeis passivos e uniformizados é, por definição, uma sociedade que torna difícil a atividade criativa e o desenvolvimento de sonhos únicos e individuais. Mais do que nunca, nossa sociedade celebra os "vencedores" e condena os "perdedores" - com a condição de que os vencedores joguem pelas regras já estabelecidas. Toda vez que uma pessoa tenta ser bem sucedida em seus próprios termos - ou fazendo as coisas do seu próprio jeito-, a tendência geral é enxergá-la como excêntrica, sonhadora ou iludida. Ai de você que queira se destacar na vida fora das opções básicas que o nosso menu oferece, espertinho! Esteja pronto para ser acusado de irresponsabilidade, de "não pensar no futuro", de "não saber o que quer da vida", etc. Parafraseando o Supertramp em uma de suas melhores canções: "Por que você não assina aqui o seu nome? Nós gostaríamos de sentir que você é aceitável, respeitável, apresentável - um vegetal!".

Correr atrás de um sonho talvez seja a atividade humana mais solitária que existe. Seja no esporte, na carreira profissional, na formação acadêmica ou em uma atividade artística, perseguir um sonho é sair da zona de conforto. É sacrificar a tranquilidade do presente em busca de um futuro idealizado, é abrir uma estrada em direção a algo melhor. Mesmo quando contamos com a ajuda e/ou solidariedade de amigos ou familiares, ainda assim é algo que ninguém pode fazer por nós senão nós mesmos. Lutar pela realização de um sonho é uma corrida de longa distância que cobra o preço da intensa dedicação e do frequente afastamento de coisas e pessoas que gostamos. Será que vale à pena? Será que a vida não é curta demais para sair da zona de conforto, do comodismo, da rotina aprazível, dos prazeres fugazes da sociedade de consumo?

Se alguém me perguntasse (ninguém perguntou), eu arriscaria uma resposta. Sonhar e lutar por um sonho são atitudes que podem ser resumidas em uma única palavra: criar. Se existe um Criador, nenhuma outra ação reafirma tanto a nossa natureza divina quanto o ato de criar - por meio do qual provamos, de fato, que fomos feitos à Sua imagem e semelhança. É por isso que toda a sabedoria das grandes religiões tradicionais gira em torno de um grande Criador (e não de um "Grande Consumidor", "Grande Proprietário" ou "Grande Espectador"). Para quem preferir um fundamento menos metafísico e religioso, eu observaria que, em tempos de uniformização e padronização, fazer sacrifícios em busca de seus próprios sonhos é a máxima atitude de rebeldia anti-conformista possível.

É possível morrermos tão originais quanto nascemos? Talvez apenas as solitárias corridas de longa distância de nossas vidas possam, de fato, dar resposta para esta dúvida.