sexta-feira, 4 de maio de 2018

O Caveira analisa: "Star Wars: Kenobi" (2013), de John Jackson Miller



Lançado em 2013 (e em 2015 aqui no Brasil, pela editora Aleph), "Star Wars: Kenobi", escrito por John Jackson Miller, é ao mesmo tempo uma grata surpresa e uma decepção.

Grata surpresa, porque apresenta uma trama no universo Star Wars com uma roupagem bastante diferente, qual seja, um western - o popular "faroeste". Não consigo pensar em uma maneira melhor de definir este livro: um faroeste com o desértico planeta Tatooine no lugar do velho oeste norte-americano, com Obi-Wan Kenobi no lugar do mocinho-forasteiro-pistoleiro, com tusken raiders (os membros do "Povo da Areia", lembra?) no lugar de índios e com fazendeiros e colonos no lugar de ... bem, de fazendeiros e colonos mesmo.

Ao mesmo tempo, o livro é uma decepção. Explico. O título "Kenobi" induz o leitor a acreditar que o personagem não apenas é o protagonista da história, mas também que ele é o "objeto" principal, por assim dizer, da própria trama. Bem, nada poderia estar mais distante da realidade. Kenobi é o protagonista sim, mas de uma história que não contribui praticamente em nada para aprofundar o desenvolvimento do personagem ou revelar novas facetas sobre a sua mente e o seu exílio de longos anos no desértico Tatooine.

Assim, ao contrário do que o título sugere, "Kenobi" não é um livro sobre Kenobi, mas sim meramente uma história protagonizada (parcialmente) por ele. Não espere, portanto, encontrar aqui nenhum tipo de mergulho na psique, na intimidade ou nas reflexões íntimas do personagem. Os momentos neste sentido, ao longo do livro, são tão esparsos e rápidos que mais parecem artificialmente acrescentados na trama apenas para não frustrar completamente as expectativas do leitor que se encantou com a capa do livro.

Aliás, "Kenobi" não tem apenas muito pouco de Kenobi: ele também tem muito pouco de Star Wars. Digo, com a maior tranquilidade, que em menos de cinco horas de trabalho qualquer escritor seria capaz de, apenas revisando o livro e substituindo nomes e citações, transformar esta história em um faroeste genérico ambientado no velho oeste tradicional, sem qualquer relação com nenhum elemento de Star Wars. Substitua Kenobi por algum pistoleiro errante solitário ao melhor estilo Clint Eastwood, substitua Tatooine por algum pequeno vilarejo perdido no meio do deserto do oeste americano na segunda metade do século XIX, substitua os tuskens por índios e pronto: você terá em mãos um western arquetípico.

Esta impressão desconfortável, de que estamos diante de uma história que apenas recebeu uma camada de verniz artificial para ficar parecendo com algo saído do universo Star Wars, é talvez a coisa mais incômoda a respeito de "Star Wars: Kenobi". Enquanto que o título e capa sugerem que estaríamos diante de um aprofundamento literário de um dos personagens mais emblemáticos e importantes deste universo ficcional, o que a trama em si nos entrega é algo muito diferente disso.

É digno de nota que, até como personagem, Kenobi se faz ausente em uma parte considerável do livro. Depois de uma brevíssima aparição no prólogo, iniciado na página 22, o "protagonista" desaparece na página 36 e só reaparece novamente na página 84. Sim: são quase cinquenta páginas nas quais o leitor se vê lendo um livro chamado "Kenobi" que não apenas não trata de Kenobi como sequer conta com a presença dele. É um começo brutalmente maçante e tedioso, que faz o leitor se perguntar "ué, mas afinal de contas o que é isso que estou lendo?". A sensação é algo como se alguém tivesse colado o miolo de um livro na capa de outro.

Depois disso, Kenobi retorna ao palco e seguimos até o final da história, na página 521, basicamente sem avançar um centímetro rumo a um conhecimento mais claro e profundo sobre o personagem. Se alguma vez você já se fez perguntas do tipo "o que Kenobi terá feito durante seus anos de exílio em Tatooine?", "como será que ele vivia?", "ele saía do planeta de vez em quando?" e coisas assim ... bem, esqueça: este livro não introduz praticamente nenhuma informação nova sobre a vida de Obi-Wan no exílio.

É verdade que, depois da aquisição dos direitos da franquia pela Disney, todo o chamado "Universo Expandido" de Star Wars foi declarado "não canônico" e reunido sob a denominação genérica de "Star Wars Legends", com status de histórias alternativas paralelas. A Disney bem que poderia ter poupado "Kenobi" desse tratamento, já que o livro é tão distante do universo dos filmes e alheio ao cânone que, mesmo que ele fosse considerado como uma história da cronologia oficial de Star Wars, ainda assim não correria qualquer risco de contradizer nada que vimos nos filmes.

Tudo isso não significa que "Star Wars: Kenobi" não tenha um lado interessante. Ora, é um faroeste com Obi-Wan Kenobi, fazendeiros trapaceiros, armas laser e espadas de luz, uma donzela em apuros, ataques do Povo da Areia, mafiosos a serviço de Jabba e monstros do deserto, tudo ambientado em Tatooine. Só o fato de realizar a ideia de um western dentro de Star Wars já faz com que o livro de John Jackson Miller mereça um lugarzinho de destaque na longa lista de livros ambientados neste universo ficcional. Some-se a isto o fato de ser muito bem escrito, com bom ritmo (na maior parte do tempo, pelo menos) e temperado com boas doses de humor e ação, e o resultado certamente se mostra merecedor de uma conferida, pelo menos para os fãs de Star Wars.

A chave para evitar decepções aqui é ter em mente que, ao contrário do que sugere o nome da obra e a capa, este NÃO É um livro SOBRE Kenobi. Aliás, o livro poderia muito bem se chamar "Star Wars: Tatooine" ou "Star Wars: Os Colonos do Deserto" ou qualquer coisa assim. A ênfase exagerada no nome de um dos maiores e mais amados personagens de Star Wars acaba se mostrando, ao fim das contas, mais como uma artimanha mercadológica do que como uma decisão artística propriamente dita.

Um pouco menos de oportunismo editorial e uma ênfase maior naquilo que o livro realmente é - ou seja, uma história em pequena escala dentro do universo Star Wars, na qual Kenobi é apenas um participante - talvez fizessem o leitor se sentir mais à vontade com essa experiência diferente, porém interessante, conduzida por John Jackson Miller: a de colocar Obi-Wan Kenobi numa situação e em um cenário mais próximos daquilo que costumamos associar com Clint Eastwood, e não com guerras civis galácticas ou com os dramas e conflitos geracionais da família Skywalker.