terça-feira, 24 de setembro de 2019

O Caveira analisa: "SHOCKER" (1989)


Pela primeira vez em 25 anos, revi "Shocker" (1989), dirigido pelo saudoso mestre Wes Craven. Quando vi o filme pela primeira vez, ali por volta de 1994 (numa exibição na Globo, provavelmente na "Tela Quente"), fiquei bastante impressionado pelas cenas brutais de violência e por alguns sustos dignos de nota. Olhando agora, em retrospecto, o que mais chama a atenção em "Shocker" é o quanto o filme é irregular.


Não há nada de errado, é claro, em misturar terror com humor e violência com nonsense. Os anos 80, aliás, foram repletos de filmes hollywoodianos nessa linha - o que levou até mesmo à criação do termo "terrir", para fazer referência a filmes que ficavam em uma zona cinzenta entre a comédia e o horror. Para mim, "Fright Night" ("A Hora do Espanto", de 1985), "Gremlins" (1984) e "Sexta-Feira 13 Parte VI - Jason Vive" (1986) talvez sejam os exemplares mais perfeitos do "terrir" oitentista.


Mas a mistura não funciona bem em "Shocker". Os momentos de terror e violência são brutalmente sérios, quase aflitivos e dramáticos demais, ao passo que os momentos de humor são de um nonsense que chega às raias da comédia pastelão. Os últimos quinze ou vinte minutos do filme são tão risivelmente ridículos e tão esdrúxulos, do ponto de vista narrativo, que o espectador se sente como se alguém tivesse trocado de canal, tirado do filme e colocado em um desenho animado antigo estilo Looney Tunes. Assim como uma Ferrari vai de 0 a 100 km/h em 3 segundos, "Shocker" vai do drama sobrenatural e do slasher sanguinolento para o besteirol completo mais ou menos na mesma velocidade.

Talvez "Shocker" seja o melhor exemplo, até hoje, de um filme de horror que começa muito bem, mas que desanda por completo da metade para o final.

Apesar disso, há uma série de coisas interessantes e dignas de notas no filme. Vamos a elas!

A temática do serial killer que transcende o mundo material e se converte em um assassino espectral, em última instância, é claramente uma reimaginação dos principais elementos do clássico "A Nightmare on Elm Street" ("A Hora do Pesadelo", de 1984), a obra máxima de Craven. 


A ideia do assassino que tem o poder de trocar de corpos e de possuir pessoas possivelmente foi a inspiração direta para "Jason Goes to Hell: The Final Friday", de 1993 (o nono filme da cinessérie "Sexta-Feira 13").

Já o conceito do assassino em série que continua colecionando vítimas, mesmo após a sua execução na cadeira elétrica, lembra muito o argumento do excelente "The Frighteners" ("Os Espíritos", de 1996) de Peter Jackson - um dos meus filmes de terror favoritos de todos os tempos.

Ah, e não dá para deixar de observar que a ideia de um fantasma saindo de aparelhos de televisão para matar pessoas aparece em "Shocker" nove anos antes de a assusstadora menina espectral Sadako dar as caras pela primeira vez no horror japonês "Ringu" (1998), que em 2002 ganhou um remake americano pelas mãos do diretor Gore Verbinski. Aliás, o livro que deu origem ao filme (de autoria de Koji Suzuki) foi lançado em 1991 - portanto, na época em que "Shocker" era um filme de horror contemporâneo. Será que rolou alguma inspiração ou influência da película de Craven?


Também vale registrar que é muito divertido ver o ator Mitch Pileggi como um serial killer insano com poderes sobrenaturais, em total contraste com a figura contida e sóbria do personagem que celebrizou o ator anos depois - o diretor-assistente do FBI Walter Skinner, de "Arquivo X".


Uma curiosidade: a música tema ("Shocker") é obra da banda The Dudes of Wrath. Nunca ouviu falar? Não se preocupe. Nem você e nem ninguém já ouviu falar dessa "banda". Na verdade, a "The Dudes of Wrath" só gravou essa única música, e era integrada por Paul Stanley (do KISS), pelo produtor Desmond Child, pelos guitarristas Vivian Campbell (Def Leppard) e Guy Mann-Dude, pelo baixista Rudy Sarzo (Whitesnake) e pelo baterista Tommy Lee (Mötley Crüe). Tá bom ou quer mais? De fato, uma super banda. E a faixa, é preciso reconhecer, até que é bem legalzinha. Na verdade, a trilha sonora oficial acaba sendo melhor do que o próprio filme, contando ainda com o excelente cover (feito especialmente para o filme!) de "No More Mr. Nice Guy" do Alice Cooper, pelas mãos sempre habilidosas do Megadeth. A trilha oficial contava também com músicas de Iggy Pop, Bonfire, Saraya, Dangerous Toys, Voodoo X e Dead On.


Pois bem, vamos à trama do filme! É o seguinte: Horace Pinker é um serial killer que está aterrorizando uma cidade, tendo cometido dezenas de homicídios e iludido a polícia local de forma brilhante. Finalmente capturado pela polícia, o homicida é executado na cadeira elétrica. O problema é que Pinker, além de assassino serial nas horas vagas, era também um ativo praticante de magia negra. Graças aos seus conhecimentos sobre ocultismo, a destruição de seu corpo físico acaba sendo apenas o começo do pesadelo dos moradores da cidade.

As cenas que eu considerava como as mais assustadoras, quando vi o filme pela primeira vez na adolescência, eram aquelas em que o fantasma da namorada do protagonista aparecia do nada para orientá-lo ou ajudá-lo. Essas cenas não parecem nem um pouco impressionantes para os padrões atuais, embora o "timing" da aparição talvez possa causar alguns sustos rápidos nos espectadores contemporâneos. De qualquer forma, a sanguinolência e brutalidade estética de "Shocker" ainda impressionam, e o filme apresenta várias cenas de "splatter" bastante explícito, que merecem uma conferida. Aliás, pensando nisso, é espantoso que esse filme, nos anos 90, tenha sido exibido na TV aberta em horário nobre. Não imagino isso sendo possível nos dias atuais.


Enfim, "Shocker" merece uma conferida não apenas por ser um trabalho de Craven, um dos mais lendários e cultuados diretores do gênero, mas também pelas várias boas ideias e cenas que são construídas ao longo da trama. É uma pena que todas as qualidades são severamente comprometidas por um roteiro irregular e incoerente e pela aparente indecisão dos realizadores sobre o estilo e a atmosfera do filme. "Shocker" tenta ser tudo ao mesmo tempo (slasher brutal, drama, mistério, horror sobrenatural, comédia nonsense e filme adolescente com pegada "hard rock"), e o resultado é uma mistura ruim, incoerente e mal desenvolvida.


Segundo o "Guia de Vídeo - Terror", de Guilhermo de Martino (1996, Editora Escala), o filme é uma "tentativa do veterano Craven de criar um novo Freddy Krueger, desta vez fazendo uso da sempre discutida carga de violência apresentada pela televisão e utilizando a mesma idéia de 'The Indestructible Man' ('O Homem Indestrutível', 1956), estrelado por Lon Chaney Jr. Começa bem, mas é difícil aceitar o final, quando herói e vilão duelam comicamente através de noticiários e programas de TV, usando um controle remoto como arma!".

Bota difícil nisso!



NOTA DO CAVEIRA: 

 

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