
Duas
coisas a serem ditas sobre o diretor Ridley Scott. Primeira: o homem dirigiu Alien
(1979) e Blade Runner (1982), dois dos melhores filmes de ficção-científica
já feitos (na minha modesta opinião, o segundo é simplesmente o melhor filme de
todos os tempos, dentre qualquer gênero). Segunda: achar, a essa altura do
campeonato, que o diretor ainda é um "gênio" de "reputação
ilibada" é uma demonstração de ingenuidade. Já faz tempo que Scott vem
demonstrando sua propensão a se vender para roteiros furados e produções de
qualidade artística duvidosa, tudo em nome do potencial lucrativo. Vale lembrar
que ele dirigiu o constrangedor Hannibal (2001), a tardia e completamente
dispensável sequência do clássico O Silêncio dos Inocentes, de 1991. Scott
também assinou, em 2010, aquele Robin Hood patético protagonizado por um Russell
Crow vinte quilos acima do peso. E, para que ninguém pense que o diretor
começou a se desvirtuar apenas na aurora do século XXI, convém lembrar do
bobíssimo G.I Jane, estrelado por Demi Moore, dirigido por Scott em 1997.
Ou
seja, estamos falando de um diretor que, se por um lado ostenta um currículo de
gênio da sétima arte (Alien, Blade Runner, Gladiator, Black Hawn Down), por outro
já provou diversas vezes que é capaz de assinar tranquilamente bombas hollywoodianas
banais e pobres em narrativa, desde que o retorno financeiro compense o
sacrifício. E adivinhe, caríssimo leitor, em qual categoria Prometheus se
encontra? Obra-prima cinematográfica ou trash acéfalo de orçamento multimilionário?
Adivinhe!!!
A
pobreza narrativa e a completa falta de integridade do roteiro de Prometheus - mais
furado do que um queijo-suiço - contrastam miseravelmente com a pomposa pretensão
do pesado marketing criado em torno do filme. Prometheus vinha há meses criando
um enorme hype na mídia internacional, gerando expectativas imensas e prometendo
o testemunho do surgimento de um novo clássico do cinema, tudo com a benção da
pressuposta genialidade de Ridley Scott, revisitando o universo da cinessérie
Alien.
Bom
demais para ser verdade, não é mesmo?
E
era mesmo.
O
pior de tudo em Prometheus é que ele não é aquele tipo de filme cujas expectativas
se esvaem logo nos primeiros quinze minutos de projeção. Não, muito antes pelo
contrário: até mais ou menos a primeira metade do filme, Prometheus
funciona muito, muito bem. O visual captura a imaginação do espectador, o
mistério da história vai se desenvolvendo num crescendo de curiosidade mística
e alguns momentos de genuína ansiedade e terror espacial vão surgindo na tela,
para deleite de quem assiste.
Durante
a primeira meia hora de filme, eu quase acreditei que Ridley Scott, do alto de
seus 74 anos de idade, estava trazendo ao mundo mais um clássico absoluto. Mas,
em algum ponto pelo meio do filme, Prometheus começa a desandar. E rola ladeira
abaixo, em alta velocidade. E o pobre espectador sente o seu rosto se
transformando num enorme pirulito escrito "Sucker", que nem acontecia
com os adversários do Pica-Pau quando feitos de trouxa pelo incontrolável e
risonho pássaro
topetudo. Prometheus começa com cara de Ridley Scott, mas termina com cara de
Michael Bay. E tudo com muitos efeitos em 3D, para adicionar mais profundidade
visual a uma narrativa tão rasa quanto um prato de sopa.

Se
você encarar Prometheus como um filme de ficção científica autônomo e completamente
independente do universo Alien, o resultado final até pode ser descrito como
sendo uma F.C acima da média. Mas isso se deve mais ao fato de que o gênero é
frequentemente maltratado pelo cinemão americano do que propriamente pelas
qualidades de Prometheus - que são poucas e esparsas.
O
que é que não funciona no filme? Bom, é tanta coisa que acho melhor enumerar:
1)
um dos roteiros mais furados já vistos no gênero, que deixa claro que Ridley Scott
e os produtores não se decidiram entre fazer um remake de Alien, uma continuação
de Alien ou um filme de ficção inteiramente novo;
2)
a talentosa (e gata) Charlize Theron naquela que é certamente a pior interpretação
de sua carreira, decorrente da personagem mais pobre que já foi oferecida
para a atriz até hoje;
3)
o design de criaturas ridículo, apresentando monstruosidades feita em CG que mais
parecem saídas de um episódio do desenho do Bob Esponja. Se você considerar que
o genial artista plástico H.R Giger (um mestre na arte de conceber criaturas e
cenários mórbidos, horrendos e evocativos e criador do visual da criatura Alien original) participou da produção, é realmente incrível
ver o quanto o talento dele foi subutilizado em Prometheus;
4)
a imbecilérrima ideia de empobrecer a história em favor de uma possível (leia-se:
muito provável) continuação. É mais ou menos como se Scott estivesse tentando
nos convencer de que tem uma boa história na manga para nós e que Prometheus é
apenas uma espécie de "prelúdio" para ela. Não custa lembrar que, antes
do lançamento do filme, Prometheus foi vendido como um "prelúdio para Alien"...
5)
a completa falta de coerência sobre a forma como operam os organismos alienígenas de
Prometheus. Alguns humanos expostos ao contágio simplesmente morrem, outros viram
mutantes, outros viram mutantes agressivos e a mocinha do filme, ao transar com
o marido infectado, fica grávida de um ... polvo alienígena! Ai ... meu ... SACO!!!
6)
a burrice que toma conta até dos detalhes da narrativa. Pergunto: se o DNA dos Engenheiros
é "100% compatível" com o dos humanos, então como é que eles podem ser
uma espécie diferente e alienígena, com inúmeras diferenças físicas que tornam
impossível confundir as duas espécies?
7)
o processo inconsciente (ou consciente?) de imitar tudo o que fosse possível do primeiro
filme da série Alien, incluindo a protagonista feminina, o personagem negro, o
andróide traiçoeiro e a sub-trama do tipo "queremos levar um espécime destes
conosco para a Terra". Eu sei que Alien é um ótimo filme, mas será que Ridley
Scott realmente não tinha mais nada para fazer do que ficar imitando de forma
tão ridícula um filme que ele próprio dirigiu há 33 anos atrás?
Mas
não se engane, caro leitor. Isso tudo o que você leu até agora é a abordagem POSITIVA
do filme. Decepção MESMO é se você encarar Prometheus como uma história anterior
ao Alien de 1979 e ambientada no mesmo universo - ou seja, se você julgar o
filme como sendo precisamente aquilo que ele próprio anunciou que seria!
Daí
sim, o buraco é mais embaixo.
Os
mais comedidos têm batido o martelo no sentido de que Prometheus seria uma "decepção"
para os fãs da série Alien. Puro eufemismo, a coisa é bem pior do que isso. Prometheus é simplesmente um CABO
DE VASSOURA na bunda dos fãs da série Alien!
É o pior, o mais vergonhoso, o
mais incompetente, o mais incoerente, o mais descompromissado, o mais indiferente
e o mais detestável prequel da história do cinema. No que diz respeito ao
universo Alien, TUDO está errado em Prometheus! Quer tirar a dúvida? Então me acompanhe
numa breve retrospectiva - mas cuidado com os spoilers! Se você ainda não viu
Prometheus, recomendo parar de ler por aqui.
No
clássico Alien de 1979, nossos queridos amiguinhos da nave Nostromo estavam voltando
para a Terra quando, de repente, captam uma transmissão vinda de um planetóide
próximo. Interpretando o sinal como sendo um pedido de socorro, nossos intrépidos
heróis se dirigem ao desolado corpo celeste. Lá, eles encontram uma antiga
estrutura que parece ser uma nave alienígena, e dentro dela encontram um enorme
corpo de um alienígena, fossilizado, com um rombo na ossatura do peito, dentro
do que parece ser uma espécie de cadeira de pilotagem da nave.
Só que tudo isso
perde qualquer importância logo em seguida, pois os pobres exploradores do espaço
logo dão de cara com uma outra espécie alienígena, violenta e letal, que supostamente
foi a causa da morte do misterioso extraterrestre da nave. O resto, como
sabemos, é história.
Na
realidade, a cena com o Space Jockey (o apelido que recebeu esse
enorme cadáver alienígena que aparece no primeiro Alien) é uma homenagem (para
não dizer cópia) de uma cena semelhante que aparece no pouco conhecido filme
Planeta dos Vampiros (Terrore nello spazio, de 1965), dirigido pelo mestre do
cinema de horror italiano Mario Bava. Aliás, o Alien de Ridley Scott já foi por
diversas vezes considerado como uma espécie de cópia hollywoodiana do inovador
(apesar de bastante falho) filme de Bava. O mínimo que se pode dizer é que
Planeta dos Vampiros foi uma grande influência para Alien.

De
qualquer forma, o Space Jockey nunca foi nada além de um "pano de fundo narrativo"
do primeiro Alien, um detalhe imaginativo para proporcionar aos espectadores um
grande efeito cênico. Só que, de uns dez anos para cá, o diretor Ridley Scott
começou a falar sobre a possibilidade de um novo filme ambientado no universo
de Alien, focando na história do Space Jockey. É compreensível: a franquia
Alien foi semidestruída pelo péssimo Alien Resurrection, de 1997, e depois a
coisa degringolou de vez com o ridículo (porém divertido) Alien vs. Predator
(2004) e com a vergonhosamente ruim continuação Aliens vs. Predator: Requiem
(2007). O momento não era propício para se pensar num novo filme da série Alien
- e pelo menos Scott teve a decência de não ousar cogitar um remake do magnífico
filme de 1979.

A
maior (única?) contribuição de Prometheus para o cânone da série Alien é que ele
estipula que a raça alienígena à qual pertence o Space Jockey, na verdade, é uma
raça humanóide que criou a espécie humana a partir de seu próprio DNA. Aquela cara
esquisita, que lembra uma cabeça de elefante, na verdade era apenas um capacete
usado pelo Space Jockey. Sem roupa, os integrantes desta espécie são humanóides
de tamanho agigantado. Por conta disso, a Dra. Elizabeth Shaw, protagonista de
Prometheus, chama essa raça de "os Engenheiros". Ou seja: Prometheus
gira em torno da busca pela raça alienígena que criou a humanidade, que vem a
ser a espécie do Space Jockey cujo cadáver aparece no primeiro filme da série
Alien. Tudo certo até aí?
Bem,
é aí que começam os problemas para os fãs de Alien, já que NADA em Prometheus
fecha com o cânone estipulado pela cinessérie Alien. Vamos conferir:
1)
No Alien de 1979, os tripulantes da Nostromo encontram o cadáver do Space Jockey
fossilizado, aparentemente morto há milênios, sentado no que parece ser a cadeira de comando de um dispositivo
de pilotagem da nave. Prometheus, no entanto, mostra que esse alienígena em
particular teria morrido apenas 30 anos antes dos eventos do primeiro Alien (já
que Prometheus se passa 30 anos antes). Ora, como o Space Jockey poderia estar
fossilizado se havia morrido há apenas
três décadas?
2)
E, por falar nisso, já que Prometheus mostra o Engenheiro/Space Jockey morrendo
dentro de um dos módulos da nave Prometheus, como é que os tripulantes da
Nostromo poderiam ter encontrado o seu cadáver sentadinho na antiga nave alienígena?!?!?
3)
Prometheus estabelece que o primeiro Alien (o tradicional monstrinho que todos nós
conhecemos bem) foi "parido" pelo Space Jockey, que foi infectado
pelo monstro que se formou no ventre da Dra. Elizabeth Shaw, depois que ela fez
sexo com o seu marido, que estava infectado pelo agente patológico desenvolvido
pelos Engenheiros para exterminar a raça humana. Ora, mas como é que, trinta
anos depois, a velha nave alienígena do Space Jockey poderia estar cheia de
ovos de Alien? Por acaso os roteiristas de Prometheus se esqueceram do fato de
que o cânone da série Alien estabelece, para além de qualquer dúvida possível,
que apenas a Rainha-Alien coloca ovos? Como o indivíduo que se vê
"nascendo" no final de Prometheus é claramente um Alien
"padrão", é evidente que ele não poderia ter botado nenhum ovo e que,
sendo o único exemplar da sua espécie, ele provavelmente teria morrido naquele
planetóide desolado antes da Nostromo chegar por lá.
Eu
teria outras incongruências e furos do roteiro para apontar, mas creio que já provei
meu ponto.
Para
concluir, fica a minha sugestão pessoal: se você não é nenhum aficionado por
Alien e não faz a menor ideia do que seja o Space Jockey, vá ver Prometheus sem
qualquer preocupação na cabeça e tente se divertir na medida do possível.
Agora,
se você é fã da série Alien, saiba que você irá se irritar vendo Prometheus.
Por mais que a pessoa esteja disposta a separar o novo filme do cânone da série
Alien, para quem é fã, a decepção é muito, mas muito grande. Sem compromisso
com experiências comparativas, vamos apenas supor que seja mais ou menos do tamanho
de um cabo de vassoura ...
Para encerrar: não quero desejar mal para ninguém, mas vendo Prometheus, concluo que só o que nos resta agora é torcer para que Ridley Scott não viva por tempo suficiente para levar adiante a ideia de dirigir uma continuação de Blade Runner!