sexta-feira, 25 de setembro de 2009

ANJOS E DEMÔNIOS (ou "COMO ESTRAGAR UM FILME NOS SEUS ÚLTIMOS TRINTA MINUTOS")

Acabo de assistir "Anjos e Demônios", do diretor Ron Howard. E confesso que o filme me deixou confuso, pois no final das contas fica difícil dizer se ele é bom ou ruim.

Vamos começar pelos pontos positivos: a cenografia do filme é belíssima, a ação é constante, o ritmo do filme é interessantíssimo (em contraste com a chatice burocrática e a monotonia da película de "O Código da Vinci") e a história funciona em capturar a atenção do espectador.

Bom, mas sendo assim, como estragar um filme com essas qualidades? Simples: prolongando-o meia hora além do necessário e finalizando-o com o final mais estúpido, bobo, carente de sentido imaginável.

Não li o livro original de Dan Brown, mas li o seu "O Código da Vinci" e sei que, apesar de suas qualidades aqui e ali, o sujeito é um escritor medíocre. Por isso me parece que ele, mais do que o diretor Howard, é o culpado pela reviravolta "trash" do fim da história, que não apenas soa forçada como ainda tem o mérito de retroativamente estragar o que até então funcionava na história - o mistério, a conspiração secreta, o desejo de vingança, etc.

Por volta da primeira hora e meia de filme, a história faz sentido, ainda que com seus naturais excessos e liberdades criativas. Mas nos últimos trinta ou quarenta minutos tudo isso é jogado pelo ralo em prol da obsessão de Brown por reviravoltas baratas, e em retrospecto o que sobra é uma história completamente sem pé nem cabeça, inverossímil e desprovida de qualquer mensagem palpável.


Se você não viu o filme, pule esses próximos cinco parágrafos de SPOILERS. Mas se já viu, reflita por um momento e me responda: o personagem de Ewan McGregor queria mesmo destruir o Vaticano e matar todo mundo? O filme parece sinalizar que não, que o objetivo dele era tão somente simular um ataque externo de inimigos da Igreja para fortalecê-la, demonizando a ciência sem se render aos apelos da modernidade. Mas, se é assim, por que ele colocou uma bomba de antimatéria no Vaticano e deixou ela lá até faltar cinco minutos para que explodisse, levando-a então embora de helicóptero às pressas e arriscando a sua vida de forma inacreditável e imprevisível?

Mais: na qualidade de pessoa mais próxima do Papa que havia, o personagem de Ewan McGregor não tinha ciência das câmeras de vigilância instaladas nos aposentos papais e que vieram a revelar toda a verdade sobre seus planos? Será que não existiria outro recurso narrativo menos estúpido do que fazer o vilão secreto da história se revelar através de uma confissão gravada por câmeras internas de segurança, meu saco?

Não é só isso, não! Continuo: raptando os quatros cardeais favoritos para a sucessão papal, qual era o plano do personagem de McGregor? Favorecer a eleição do cardeal mais conservador? Mas se assim fosse não era mais fácil apenas ter sequestrado os cardeais, ao invés de ter apelado para uma bomba de antimatéria no Vaticano? Caramba, o próprio personagem de McGregor suplica para que o conclave seja adiado e para que todos os cardeais fujam. Como isso poderia ajudar o plano de eleger um Papa mais conservador?

Claro, alguém poderia dizer que a idéia do vilão era justamente posar de herói para ser eleito Papa por aclamação! Só que para isso ele precisaria ser tão onisciente quanto Deus, para antever minuto a minuto o desenrolar da história e ter certeza absoluta de que conseguiria se livrar da bomba no último minuto, saltar de paraquedas durante uma explosão de antimatéria e sobreviver!

Bom, acho que são só esses os furos da história, mas ... não, não, espera aí mais um pouquinho! Quer dizer que toda essa ENORME conspiração envolvendo o sequestro de quatro cardeais de dentro do Vaticano, o assassinato de um Papa e o roubo de um cilindro de antimatéria em Geneva foram orquestrados e realizados por DUAS PESSOAS?!? Todo esse inferno que dura quase duas horas e meia na tela, parecendo uma conspiração de superpoderosos oniscientes e onipresentes, foi levada a cabo por DUAS pessoas?!?!

É, não tem jeito, não. Apesar de seus bons momentos, a história desse filme não tem pé nem cabeça.

A "moral" que Brown tenta passar é mais do que batida, ou seja, que não deve haver rivalidade entre a religião e a ciência - sugerindo, pela trama, que o maior obstáculo a esse entendimento vem dos setores mais conservadores da religião. Mas, francamente, é pouca mensagem para duas horas e meia de suspense arrasados pelo "susto vagabundo" do final.

De qualquer forma, não vou dizer que não recomendo o filme. Vale à pena dar uma olhadinha, nem que seja para conferir o visual exuberante e a excelente cenografia. E até mesmo para apreciar a história, que mantém o espectador atento, entretido e interessado antes de tudo ser arruinado pela necessidade de Brown de apostar em truques literários baratos em detrimento de uma narrativa coesa.

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