sexta-feira, 2 de maio de 2014

Vivendo no futuro

Quando eu era criança, tudo o que eu queria era viver no futuro.

Quem pode me culpar? Naqueles tempos, o futuro parecia muito legal, repleto de novas tecnologias e possibilidades. Pelo menos nos filmes. Mas ... parecia mesmo?

Hoje, me dou conta de que interpretei mal os sinais que estavam à minha volta. Não, o futuro não era legal. E a ficção científica da época em que eu cresci tentou me avisar disso. Não cresci na época do sci-fi otimista e entusiástico que era moeda corrente até os anos 1960. Não, a previsão de futuro que moldou o meu imaginário enquanto eu crescia não era aquela dos Jetsons, do Flash Gordon, das imaculadas e assépticas cidades flutuantes, do mundo unido por uma causa comum e desempenhando papel ativo em uma Federação de planetas.

Não, não cresci na época das utopias tecnocientíficas. Cresci na época do cyberpunk. Do "Neuromancer" de William Gibson. Do "Missile Command" brilhando nas telas dos arcades e videogames domésticos. Do "Terminator" tentando acabar com a última esperança de sobrevivência da humanidade em obediência a uma inteligência artifical futurista que era incapaz de distinguir o conceito de paz mundial da erradicação total da espécie humana. Do "Robocop" tentando fazer justiça, como um Don Quixote cibernético, em um mundo no qual a justiça já não era mais possível, patrulhando a esmo as ruas de uma Detroit fictícia completamente falida e implodida pelo sistema (ou seja, basicamente a Detroit real dos dias de hoje), numa realidade maquiada por uma mídia corporativa manipuladora às raias do caricatural (ou seja, basicamente a grande mídia real dos dias de hoje). Era a ficção científica crítica, desiludida, irônica, ressacada, tão bem ilustrada no cinema por "Blade Runner" - ou pelo italiano "Nathan Never", nos quadrinhos.

Sim, os carros voadores estavam lá, os ciborgues estavam lá, as cidades com visual futurista estavam lá, os avanços assombrosos da tecnologia estavam lá. Mas, de certa forma, estavam lá para nada. Eram mundos nos quais a tecnologia era tratada como um detalhe, como uma coisa quase obsoleta, como técnica ou instrumento sem nenhuma capacidade de contribuir para a qualidade ou para o sentido da vida humana. Pelo contrário: a tecnologia era retratada como fator de alienação e desumanização.

Quando eu era criança, tudo o que eu queria era viver no futuro.

Hoje, eu vivo no futuro. E e me decepciono com o que o mundo se tornou - a apatia generalizada, a perda de sentido como espírito de época, o naufrágio da inteligência, a desesperança naquilo que nos torna humanos, a escassez criativa, a mercantilização de todas as facetas da vida.

Mas a verdade é que eu fui muito bem avisado. Eu apenas era muito jovem e imaturo para compreender, com a devida profundidade, a seriedade dos alertas que a ficção ocultava por trás de sua fascinante estética futurista.


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